Nascimento Bernardino – Advocacia

A Questão das Plataformas Digitais como o Airbnb em Condomínios Mistos

Nos últimos anos, o uso de plataformas digitais como o Airbnb para a locação temporária de imóveis tem gerado diversas discussões no universo jurídico, especialmente em condomínios mistos, que abrigam unidades destinadas a diferentes finalidades, como residenciais, comerciais e de serviços de hospedagem. A problemática ganha relevância principalmente quando se trata da locação de unidades no Setor Residencial de um condomínio, questionando-se o possível desvirtuamento de sua finalidade.

A Convenção Condominial e os Setores do Condomínio

A convenção condominial é o documento que regula as regras internas de um condomínio e, no caso dos condomínios mistos, normalmente estabelece a destinação de cada setor para uma finalidade específica: residencial, comercial ou de serviços de hospedagem. No entanto, o que temos visto com frequência é a omissão de normas especificas para o Setor Residencial, havendo verdadeira omissão para regulação da destinação e, consequentemente, sobre a locação de unidades via plataformas digitais, como o Airbnb.

Em algums casos analisados por nosso escritório, a convenção autoriza expressamente a locação de unidades no Setor de Serviços de Hospedagem, um setor designado para atividades comerciais relacionadas à oferta de serviços de hospedagem, como em hotéis. No entanto, o Setor Residencial não possui regras específicas sobre locações de curto prazo, o que acaba gerando extrema insegurança jurídica e questionamentos sobre a compatibilidade da prática com as disposições da convenção.

A Jurisprudência e a Locação por Plataformas Digitais

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem se debruçado sobre o uso de plataformas de locação como o Airbnb, reconhecendo que essas plataformas, por serem atípicas e não previstas nas leis tradicionais de locação (como a Lei do Inquilinato), devem ser analisadas de forma diferenciada. Em alguns casos, o STJ tem ratificado a validade de convenções condominiais que proíbem a locação de curto prazo, como via Airbnb, em condomínios estritamente residenciais.

A jurisprudência indica que, quando a convenção condominial prevê expressamente a proibição da locação por curto período, essa restrição é válida. No entanto, o que diferencia o caso dos condominios mistos em questão é que a convenção não faz qualquer menção específica ao Setor Residencial, e nem estamos nos atendo em relação à locação por plataformas digitais. De fato, não há qualquer regra particular para o Setor.

A falta dessa é vista como omissão regulatória que dificulta a adoção de medidas por parte da administração condominial e, apesar de existirem alguns possíveis motivos comerciais, nos atemos de comentários no sentido (pelo menos por enquanto).

O Papel da Convenção Condominial na Regulação das Locação por Curto Prazo

Para que a locação por plataformas como o Airbnb seja devidamente regulada, é necessário que a convenção condominial seja revisada e atualizada. Caso a intenção da coletividade seja proibir esse tipo de locação no Setor Residencial, é imprescindível que haja uma alteração na convenção, que estabeleça de maneira clara e objetiva as regras para a utilização das unidades residenciais. Essa alteração poderia incluir a proibição da locação por períodos inferiores a 90 dias, ou ainda a imposição de regras específicas para o uso de plataformas digitais, como o Airbnb.

Enquanto não houver uma revisão da convenção para regulamentar a locação no Setor Residencial, não há segurança jurídica para a proibição desse tipo de locação. Ou seja, caso não existam regras expressas, a locação via plataformas digitais pode ser realizada sem que haja uma vedação legal.

A Distinção Entre Setores: Residencial e Serviços de Hospedagem

A distinção entre os setores do condomínio também é fundamental para entender a situação. As unidades localizadas no Setor de Serviços de Hospedagem, como hotéis, podem ser destinadas à locação por curto período, com a oferta de serviços típicos de hospedagem, como recepção 24 horas, lavanderia, e café da manhã. Já as unidades do Setor Residencial devem preservar sua natureza, sendo vedada a utilização de serviços de hospedagem que descaracterizem a finalidade residencial.

Em resumo, a locação de unidades via Airbnb pode ser considerada incompatível com a finalidade residencial, caso a prática envolva a oferta de serviços de hospedagem típicos, o que transformaria a unidade em uma verdadeira operação comercial, destoando da sua finalidade original.

No entanto, a mera utilização de plataformas como o Airbnb no Setor Residencial não desvirtua a sua finalidade, interpretação essa, que só é válida enquanto não houver disposição contrária na competente convenção.

A Necessidade de Atualização da Convenção Caso a Intenção seja Proibir

Sem redundancias, a regra atual é clara! Se a coletividade deseja restringir ou regular a locação por plataformas digitais no Setor Residencial, é necessário realizar uma alteração da convenção, com o quórum adequado e por seus motivos particulares.

Conclusão

A locação de imóveis por meio de plataformas digitais, como o Airbnb, em condomínios mistos, ainda é uma questão de complexa interpretação jurídica. A falta de previsão de regras para o referido setor na convenção condominial gera, para além de fatores básicos, insegurança jurídica para atuação administrativa, inclusive como no presente caso.

Portanto, caso a coletividade condominial deseje deliberar sobre a proibição ou regulamentação dessa prática, é imprescindível que a convenção seja atualizada para incluir disposições claras sobre a destinação exclusiva do Setor Residencial, bem como sobre a permissibilidade ou não da locação por curtos períodos.

Adicionalmente, a comparação com o Setor de Serviços de Hospedagem, que permite a oferta de serviços típicos de hotelaria, evidencia as diferenças essenciais entre atividades comerciais e residenciais. Embora plataformas como o Airbnb representem uma inovação no mercado de locação de imóveis para estadias temporárias, elas não operam, de acordo com a jurisprudência sobre o tema, com os serviços convencionais de hospedagem (caráter comercial).

Ao contrário das unidades no Setor de Serviços de Hospedagem, que possuem autorização para oferecer comodidades típicas de hotelaria, as unidades do Setor Residencial, sendo incompatível a utilização de serviços que possam transformá-las em estabelecimentos comerciais voltados para hospedagem (o que não ocorre com a utilização de plataforma como o Airnb).

Por fim, destaca-se que a evolução da jurisprudência e eventual regulamentação legislativa sobre o tema poderá impactar o entendimento futuro sobre a caracterização comercial da inovadora forma de locação via plataformas assemelhadas ao Airbnb, por curtos períodos em condomínios/setores residenciais, o que terá implicações diretas na definição de sua compatibilidade com as normas e destinação dos diferentes setores condominiais.

Esperamos que este artigo tenha, de alguma forma, colaborado com você.

Abraços,

Leonardo Bernardino – Advogado e Sócio do Nascimento Bernardino Advocacia

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